sábado, 25 de novembro de 2017

Oh Pedro...

Oh Pedro... como é que isto nos foi acontecer?
A ti e a nós.
A mim,
porque só posso escrever em nome próprio, mas no caso estou certa de ser tantos.
Nestas coisas da morte, Pedro, para uma descrente como eu, Pedro, é tudo muito egoísta. Hás-de perdoar-me, mas
como é que isto me foi acontecer?
Como se a morte fosse minha. E é. Tenho a certeza que é.
Chega a ter graça. Eu aqui vivinha a querer a negra para mim. A lata da bicha!, dirias a rir, sempre a rir. Quase dava um post. Dava, não dava, Pedro? E dos bons. Somos tramados. Queremos tudo para nós. Mesmo que seja uma merda - e é, Pedro! Tão grande... -, queremo-la toda para nós. Ainda que só para nos sustentar os dias vazios, esta tristezazinha saloia que nos comprova a vida,  para me sustentar este Oh Pedro... gigante de olhos inchados e nariz ranhoso.
Tudo uma foleirice pegada que havias de detestar. Mas a vida não é feita só do que se gosta, e pelos vistos a morte também não. Aguenta-te que eu estou a fazer o mesmo.
Admite,
nunca mais vamos à praia, pois não?
Nunca mais vamos ao Pessa, pois não?
Nem aos caracóis.
Nem ao cozido.
Podes dizer a verdade, sabes que sempre quis só a verdade - só a verdade... Que graça... Outro post... Agora a sério, podes dizer a verdade, eu aguento. Olha para mim já a aguentar tão bem. Faço o quatro e tudo se me pedires. Queres que faça o quatro? Faço mas diz-me a verdade,
nunca mais vamos à praia, pois não Pedro?
Oh Pedro... Oh Pedro...
Não há mais mergulhos pois não?
Nem Melides, Nem és um génio. Já não sou um génio? E agora quem é que me vai achar um génio?
Já não há mais nada disso pois não?
Oh Pedro... Eu enganei-me, pensei mal, não quero a verdade. Quero a praia. Quero o Pedro. Mente-me à vontade e não falamos mais nisso. Oh Pedro... rebentou-me um derrame do olho e tudo de tanto Oh Pedro... Aqui no esquerdo, vês? A noite toda Oh Pedro... Oh Pedro...
Se ao menos tivéssemos acreditado mais. Eu acreditei desde o início, sem esforço, era óbvio que nada disto ia acontecer, não podia. Só no finzinho é que não. No finzinho fraquejei, admito. Já não deu. Se ao menos tivesse feito um esforço para acreditar mais. Há pessoas que mexem coisas com a mente... Se ao menos acreditasse em milagres. Se ao menos tivesse abraçado árvores, ou assim...
Mas não abracei e agora também já não vou abraçar. Por isso amanhã tomo banho, lavo o cabelo, acaba-se esta pirosada toda, e logo se vê o que acontece. Já sabes, se quiseres mentir, eu não me importo.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

São Tomé como o Chiado

          Querem conhecer São Tomé? 
          Metam-se a caminho. Agora. 
          Preferem o Chiado? 
          Já deviam ter ido. No tempo dos pinheiros.  
          É o que penso, pelo menos agora. No final do texto já se vê.
          Ando quase sempre trocada mas nestes casos nem por isso. Graças a Deus, cheguei sempre  a tempo. Antes, como agora, mais que a tempo - ainda o final do texto não se aproxima e já as certezas me vacilam. Vocês não sei, mas vamos imaginar que não chegaram a tempo, para melhor servir o carácter dramático do texto:
          - Vocês nunca foram a São Tomé e só visitaram o Chiado depois dos pinheiros da Praça Luís de Camões!
          Oiçam o que vos digo; vão agora, antes que se perca ou se renove. Não que o novo não seja bom, nada disso, mas nunca igual. Por agora São Tomé ainda uma ilha toda da cor de si própria. Tudo se faz e refaz ali mesmo. O que lá há, é o que se usa, e por isso não foge à cor do que ali sempre existiu. É bonito de ver, acreditem. Já sobram poucos lugares assim. A raridade é valiosa, mas neste caso é mais do que isso. A ilha usa e volta usar apenas o que produz. Uma canseira, primitiva talvez, mas uma canseira linda para a vista de nós, miseráveis, sem identidade própria. Ou com uma identidade global, sei lá... Todos uma mistura imunda daqui e dali, já ninguém sabe de onde. Ali não. Na ilha as cores são as da terra e pouco mais. Tão pouco que mal se nota. Um quase nada que até lhe dá graça. Talvez uns ténis coloridos que o primo emigrado enviou pelo correio, ou os restos de uma boneca da moda que os voluntários trouxeram de fora. De resto, só tipos a carregar carvão em lonas que um dia serão velas de barco ou toldos  das bancas de peixe. E assim sucessivamente com o que lá há, até tudo se esbater numa coisa só, São Tomé. Coisa bonita essa, a da essência.
          E os pinheiros do Chiado? perguntam vocês.
          A Praça Luís de Camões tinha pinheiros. Tinha sim, juro. Muitos pinheiros, todos mansos.  
          Eu gosto de árvores. Adoro, até. Mas confesso que me dava desgosto vê-las ali entaladas na calçada a cuspir gosma a primavera inteira
          Não são os pinheiros, esses?
          Mas e aquele chão sempre tão sujo? 
          Pastilhas elásticas? 
          Não, os pinheiros não sabem mascar. Inclino-me mais para o suor fétido dos miúdos de 16 anos embebidos em álcool. Fazia-me confusão o aperto dos pinheiros, mas tapavam aquilo um bocado, entendem? Pelo menos visto de cima. Quando se voa ou assim, dá jeito. O professor da faculdade sempre a dizer "Ana Sofia a vista de cima é tão importante como as outras" e eu "importam-se as gaivotas?"
          Eu importo.
          No outro dia voltei à ilha. Contei dois letreiros novos. Coloridos e luminosos. Os primeiros da ilha. De empresas de telecomunicações, acho, nem quis olhar bem. Não chorei porque já tenho idade para me apoquentar com o inevitável. Com o melhor, dirão os tipos de sacos de carvão às costas.
          E estão cheios de razão.
          Eu nem sequer vivo lá.