segunda-feira, 18 de maio de 2015

Da segurança.

Fiquei à beira do choro.
Não à beira das lágrimas, ou com os olhos rasos de água, como fico quando alguma coisa me comove. À beira do choro compulsivo. Os olhos só vermelhos, sequinhos, à espera de rebentarem à vontade. A engolir em seco e a arranjar desculpas para sair de fininho da sala, e ir afogar  o barulho do choro nas mãos. Não queria preocupar os pais. Ou talvez não quisesse perguntas
Estás a chorar, Sofia?
nem respostas
Comoveste-te, Sofia.
Acho que não foi bem isso que aconteceu.
Não foi tanto a alarvidade do agente. Foi o miúdo.
Não sou diferente nesta matéria. A todos chocou especialmente o desespero do miúdo.
Mas acho que ainda não foi bem isso que me aconteceu.
O que me tirou três vezes da sala para me recompor, foi o terror do miúdo pelo pai. Foi o outro polícia a ampará-lo, a guardá-lo, um escudo de vidro tão forte, enorme, a proteger mas a deixar ver tudo. Um fotógrafo interessado, outro polícia de cócoras, o miúdo aflito e toda a gente a saber que o miúdo aflito.
Vai ficar tudo bem
Um abraço apertado no escudo de vidro, enorme. O miúdo agitado e uma mão larga a empurrá-lo para o peito. E eu cá de fora  a querer dizer-lhe
Não olhes para aquilo
Vai ficar tudo bem, miúdo.
Pensa só Viva o Benfica
Já vai passar
esquece tudo e Viva o Benfica
Pensa que o teu pai é enorme, não são cinco polícias blindados que o desfazem.
Não, não penses nos polícias blindados.
Esquece os polícias blindados a desfazerem o orgulho do teu pai à porrada,
a desfazerem o teu orgulho no pai à porrada.
Não se desfaz essa matéria à porrada.
E eu ali, engasgada no choro e na contenção, quase a desejar ser o miúdo. Ou ter um escudo. Mesmo que fosse de vidro.
Mesmo que se pudesse ver tudo.
As pernas oblíquas pregadas ao chão, os braços a afastarem o corpo da barriga do polícia, o choro de boca aberta. E um abraço rijo, uma mão larga a forçar-me a cabeça no peito
Vai ficar tudo bem, miúda.
Nada disto se desfaz à porrada.